domingo, 23 de maio de 2010

Asas de papel

Acho que fui seduzida pelo poder que há nestas palavras, que se não lidas, existem como se nunca tivessem existido, e pela beleza que há ainda, quando estas coexistem com o silêncio.
Mas o que realmente fascina, transcende, são as asas de Ícaro de que me revisto quando a tinta enegrece o papel e o distingue de todos os outros. Porque também não sou mais a mesma ao dizê-las, e então o casulo se desfaz para a construção de tantos outros.
São destes diminutos espaços em que vôo é que provém a força necessária para que nenhuma amarra seja suficientemente forte para me impedir de voar novamente, de bater as asas por alguns breves instantes. Porque sempre haverão casulos rompidos na tinta que escreve e no papel que docilmente a acolhe, e recebe com tanto aconchego esses gritos grafados a duras penas.
Assim como meus pés deixam suas pegadas, indicando o caminho por onde passei que essas mal traçadas linhas denunciem o percurso de estradas tortuosas que conduzem às vielas dessa alma de asas atrofiadas, mas, que nunca perdeu a vontade de voar, ainda que seja sustentada por asas de papel.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A menina por trás dos óculos.

Sonolenta a mulher acorda, estende a mão ao criado mudo,
os óculos lhe pesam ao rosto.
A menina regateia na cama, levanta, sorri para o espelho,
se acomoda confortavelmente atrás dos óculos.
A mulher anda apressadamente, engole o café,
sobe no salto, como que querendo desesperadamente crescer.
A menina saltita com os pés descalços, depois os recolhe confortavelmente a um chinelinho de borracha.
A mulher espera o ônibus, tropeça, esbraveja, maldiz a sorte.
A menina pede perdão.
A mulher tão imersa em seus vazios.
A menina com o coração tão cheio de sonhos.
A mulher não sorri muito, a menina também não.
A mulher tão cansada, tão sem para quê da existência.
Já não tem mais paciência, porque a menina só quer brincar,
brincadeira de ser feliz.
A mulher quer entender.
A menina tão cheia de perguntas que se respondem com meias verdades.
Por fora a mulher.
A mulher só caminha.
A mulher caminha só.
A menina só quer voltar, ir finalmente para casa.
A menina por trás das lentes dos óculos de aros metálicos.
E a mulher que vê através delas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Conclusões

Não estou bem certa se sou parte dessa interrogação gigante ou se essa é quem faz parte de quem eu ilimitadamente sou. Meus pés ainda estão procurando o ritmo para caminhar, eles fatalmente não possuem a capacidade de alcançar a velocidade com que meu pensamento viaja a tantos e diferentes lugares. As possibilidades são tão infinitas e meus limites tão diminutos. Essa infinidade de porquês, e essa certeza de que nada é impreterivelmente certo a menos que você acredite realmente. Não sou um turista nesse mundo, um observador sem dúvida, e ainda me impressiono e creio que poucas coisas ainda me comoverão como a capacidade que temos, apesar de toda fragilidade, de fazer brotar as mais lindas flores nos campos áridos da dor. Se tivesse um único desejo para toda uma vida, seria convictamente que tudo parasse de doer, assim, tanto como dói, mas ainda me curvo ao sacrário de cada dor, por que sei que é esse o único momento em que tudo faz sentido, mesmo na contramão de todas as coisas. Só há divindade na alma humana quando a dor é convidada e tem lugar na mesa de jantar, afinal, um belo dia ela resolve que é tempo de partir e partilhar com outras pessoas a oportunidade de crescer.